A Fresta
As horas voaram, embrulhadas num abrir e fechar de olhos. Um fio de molhado roubou-lhe o sabor da boca durante a noite, espalhando-o na almofada por baixo da bochecha. Agora inalava um azedo fibroso. Ergueu a cabeça, esforçado, e apontou os sentidos para os recortes verde-luminosos. Faltavam dez minutos para tocar. Tacteou na mesinha à procura do aparelho e esmurrou-o, não fossem os minutos passarem em segundos. Tornou a enterrar-se no calor húmido.
Na sua mente a percepção das coisas vagueava por terrenos incertos. Procurava suporte. Eram assim os despertares. Alternava indistintamente os primeiros pensamentos da manhã com a ficção de sonhos recentes de que já não se lembrava. Desequilibrado, regressaria ao outro lado, não fosse a frincha entre as portadas da janela.
O foco, na origem, era uma linha ridícula, vertical, com menos de um milímetro de largo. Prolongava-se pelo tecto numa tira de sol branco, um candeeiro diagonal de natureza reflectida. Iluminava o quarto todo. Corria com as sombras que ajudava a criar. Despejava claridade incessantemente.
Maldito recorte. Segunda-feira mando-o arranjar!
SamW