832 - Hora Universal -
A bordo do submarino USS Deliverance jantava-se descontraidamente. Submerso nas águas do Pacífico, a cerca de 2000 pés de profundidade, o navio cumpria a sua 124ª missão de reconhecimento estratégico. Do seu arsenal constavam 8 ogivas termonucleares capazes de viajar meio globo devidamente acondicionadas em mísseis estratosféricos. Transportava ainda 38 torpedos de curto-médio alcance e 30 conjuntos de minas anti-couraçado. Como ele existiam mais alguns - não se sabia ao certo quantos- espalhados pelos mais sombrios recantos dos oceanos.
O submarino tinha largado de um porto perto de Seattle duas semanas antes e encontrava-se num ponto a igual distância das costas dos E.U.A, da Russia e do Japão, zonas sísmicas importantes e com ramificações profundas.
...jantava-se descontraidamente... O capitão Frank Scott preparava-se para sorver um trago de vinho branco quando o tudo (ou o inicio do nada) aconteceu...
As primeiras notícias foram difundidas pela CNN, meia-hora depois do 'momento 0'. A princípio muita gente julgou tratar-se de um partida de mau gosto, do género da transmissão radiofónica feita por Orson Welles quase dois séculos antes e que relatava uma invasão marciana. Uma hora depois, o pânico era generalizado. Um pouco por todo o mundo milhões de pessoas tentavam escapar-se da orla litoral. Qualquer meio de transporte servia. O mais utilizado era a trotinete-a-jacto. Muitos fugiam pelos seus próprios pés. Por essa altura o Japão estava prestes a desaparecer do mapa.
A explosão teve uma potência equivalente a 300 vezes Hiroshima, iluminando as aguas em redor num raio de 20 a 30 km. Para algumas espécies marinhas aquela foi a primeira e última vez que viram a luz do sol, mesmo que por breves instantes.
A onda concêntrica originada no local elevou-se vários quilómetros acima do nível médio das águas do mar. Viajando a uma velocidade de 80 km/minuto, o gigante transportaria o Armagedão a todos os continentes da terra.
Três horas depois da detonação, a onda, que galgara já metade do território do Canadá e Estados Unidos, começava a inverter o sentido, regressando à origam. O Japão e o México haviam sido totalmente submersos e a maior parte das ilhas do Sudoeste Asiático preparavam-se para sofrer o mesmo destino.
Mesmo enfraquecida pelos efeitos de milhares de quilómetros de viagem, a onda espalhou o caos e a destruição em muitas cidades costeiras de países europeus e africanos.
Em oito horas metade da população mundial flutuava, inchada, inerte, de pele enrugada, em rios de água e lama. A outra metade não teria tanta sorte.
A deslocação irregular e repentina de grandes massas de água no planeta provocou uma reacção de ajustamento compensatório por parte dos elementos tectónicos. Resultado: tremores de terra em cadeia sucederam-se ao longo de vários meses, sacudindo regiões que tinham escapado à onda.
Com a explosão, houve também uma dispersão global de partículas radioactivas que, sendo transportadas por ar e mar, circundaram o globo numa questão de dias. Vieram as chuvas radioactivas e os surtos de doenças. A morte escolhia a forma a seu bel prazer. Em muitos casos as próprias vítimas erguiam os braços, suplicantes, e acolhiam-na com gratidão.
Nos pólos do planeta, e depois de um banho de água muitos graus acima do habitual, aconteceu um degelo em massa e a consequente libertação de milhares de icebergs, que flutuaram imperturbáveis ao longo do globo, estabelecendo novas rotas marítimas.
Duzentos anos mais tarde o equilíbrio climático do planeta ainda não teria sido reposto.
Nos primeiros tempos pós-catástrofe a ordem social no mundo aguentou-se sustentada na empatia e na boa vontade dos sobreviventes. Aos poucos e poucos, contudo, a anarquia tomou conta dos acontecimentos.
Se a guerra contra a desordem humana demorou décadas, a luta contra os efeitos da catástrofe demorou séculos (e está ainda longe de terminar).
O que aconteceu? Ninguém soube ao certo. Ou pelo menos ninguém quis que se soubesse. Possivelmente foi uma falha técnica originada por um falha humana, diz-se. O género de coisa que os E.U.A. nunca admitiria.
Eu sei o que se passou. Eu estava lá, naquele preciso momento. Passeava alegremente pelos circuitos electrónicos do navio quando dei de caras com "eles". Duas entidades cibernéticas, aquilo a que vocês humanos chamam de vírus, degladiavam-se pelo controlo do sistema. Aparentemente uma delas não gostou da atitude da outra e e pura e simplesmente carregou no botão vermelho.
Como estou vivo, perguntam os senhores? Bem... na verdade sou um osso difícel de roer. Há quem se lembre de mim e me chame 'Projecto X - Microsoft'.
Sam
P.S. Este estava em carteira há vários meses... resolvi fazer-lhe uma emendas e publicá-lo.
